Diariamente, cerca de 60 bilhões de mensagens são enviadas pelo WhatsApp, aplicativo que alcançou este ano a marca de 1,5 bilhão de usuários ativos por mês.[1] No Brasil, o comunicador instantâneo atingia 120 milhões de usuários há cerca de um ano, o equivalente a mais de metade dos habitantes do país. Em paralelo a essa rápida disseminação nos últimos anos, verificou-se um aumento significativo das demissões decorrentes da utilização inadequada do software no Brasil, tendo em vista a linha tênue existente entre seu uso na vida privada e no âmbito profissional. 2s2r55
Ao mesmo tempo em que recorrem ao WhatsApp para comunicar questões de trabalho, muitos empregados também estão usando a ferramenta para fazer reclamações ou piadas sobre a empresa em que trabalham, seus chefes ou colegas. O que grande parte deles não sabe é que, apesar de se tratar de um instrumento privado, os empregados podem ser advertidos, suspensos ou até mesmo ter o contrato rescindido por justa causa se constatado o envio de conteúdo que se mostre ofensivo ao empregador.
O empregado deve ser cauteloso, portanto, ao se dirigir aos colegas ou a um superior hierárquico nas conversas via aplicativo, pois caso os comentários sobre o empregador extrapolem os limites da liberdade de expressão, a conduta é ível de enquadramento na hipótese da alínea k, do art. 482, da CLT, que prevê como justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador o "ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem”.
Por esse motivo, cada vez mais os registros do WhatsApp estão sendo utilizados em ações trabalhistas, ao o que a Justiça do Trabalho tem acolhido como meio de prova suficiente as mensagens gravadas no próprio aplicativo.
Ofensas, brincadeiras, reclamações acintosas ou outras condutas que possam manchar a boa fama do empregador são íveis de rescisão contratual por justa causa. A novidade é o meio em que tais condutas ocorrem (WhatsApp), por isso, é importante oferecer treinamentos internos nas empresas sobre comportamento no aplicativo.
Em recente decisão, a Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região julgou improcedente recurso ordinário interposto pelo reclamante e manteve a sentença de primeiro grau que reconheceu justa causa da sua demissão, pois foram constatadas ofensas à empresa em que trabalhava em um grupo do WhatsApp.
Segundo relatado nos autos do processo nº 0000272-85.2017.5.23.0081, em resposta à postagem de um colega de trabalho sobre promoção de rodízio de pizza oferecida pela empresa, o empregado enviou a seguinte mensagem: “Esse rodízio é uma merda. só 2 horas ... Pela demora q é a lanchonete. não da de comer nem dois pedaço kkkk" [sic].
O relator do recurso ordinário, desembargador Roberto Benatar, manteve a justa causa aplicada ao empregado sob o fundamento de que ”a conduta obreira de publicar comentário depreciativo sobre a qualidade do serviço do réu em grupo criado em aplicativo de mensagens revela clara ofensa à honra e à boa fama do empregador, rendendo ensejo à rescisão contratual por justa causa”.
Em outro caso, julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região, o reclamante, na condição de recorrente, pretendia a reforma da sentença que indeferiu o pleito de reversão da justa causa sob o argumento de que as injúrias dirigidas ao empregador não foram proferidas em ambiente de trabalho ou mesmo em serviço.
Entretanto, a turma julgadora acolheu as razões da sentença de mérito, segundo a qual a decisão tomada pelo empregador não representa censura no teor das conversas havidas dentro de um grupo pelo celular. Isso porque, a ofensa a superiores em uma rede social extrapola os limites da liberdade de expressão do empregado e consiste em “fato que prejudica de forma definitiva a continuidade do pacto laboral pela quebra de fidúcia”, considerando que “a relação de emprego tem como um de seus pilares a confiança entre as partes, a qual se desdobra nos deveres de boa-fé e lealdade, que devem ser observados mesmo fora da jornada de trabalho e do local da prestação de serviços”:
“RECURSO DO RECLAMANTE. JUSTA CAUSA. ATO LESIVO À HONRA E BOA FAMA DO EMPREGADOR PRATICADO PELO EMPREGADO. COMENTÁRIOS DEPRECIATIVOS SOBRE SUPERIOR HIERÁRQUICO PUBLICADO EM REDE SOCIAL (WHATSAPP). APLICAÇÃO DO ART. 482, ALÍNEA K, DA CLT. A relação de emprego tem como um de seus pilares a confiança entre as partes, a qual se desdobra nos deveres de boa-fé e lealdade, que devem ser observados mesmo fora da jornada de trabalho e do local da prestação de serviços. No caso concreto, ao publicar em rede social ("Whatsapp") comentários depreciativos sobre os superiores hierárquicos, o reclamante praticou ato lesivo à sua honra e boa fama, mormente quando se considera a repercussão e o alcance que a informação pode ter por conta do meio em que foi divulgada, o que autoriza a aplicação da justa causa pelo empregador, com fulcro no art. 482, k, da CLT. Recurso conhecido e improvido.” (Processo nº 0001977-57.2014.5.11.0017).
Apesar de a justa causa ser a punição máxima ível de aplicação pelo empregador, há situações em que uma única conduta é suficientemente grave para justificar a imediata rescisão contratual. Conforme já pacificado pela Justiça do Trabalho, a ofensa à honra e à boa fama do empregador é um claro exemplo disso.
Com o avanço das novas tecnologias, o treinamento da equipe torna-se, portanto, fundamental para evitar que empregados e empregadores cometam atos íveis de punição, seja ao empregado, como advertências, suspensões ou até mesmo a rescisão por justa causa, seja ao empregador, como condenações por assédio moral cometido por seus prepostos.
No caso de utilização de mensagem para realização de prova em processo judicial, a maioria dos tribunais ite a apresentação de capturas de tela do WhatsApp. No entanto, mesmo diante da informalidade da Justiça do Trabalho, o ideal é que haja transcrição do conteúdo por meio de ata notarial, em razão da possibilidade de usar outros aplicativos para manipular as conversas.
[1] Techtudo, “WhatsApp bate marca de 1,5 bilhão de usuários ativos”. https://machadomeyer-br.informativomineiro.com/noticias/2018/02/whatsapp-bate-15-bilhao-de-s-ativos.ghtml. o em: 19.08.18.